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No mundo

julho 19, 2012

Entrevista com Alberto de Morais Neto





Por Elayne Aguiar*
“Temos na verdade, como diria Jabor, os poetas que nunca escreveram livros, pois falta união, e hoje temos apenas uma sombra dos poetas de outrora. Poetas que não viam a poesia como meio e só são poetas por serem poetas”. 
Hoje a nossa entrevista é com o Alfredo de Morais, baiano de Feira de Santana, psicólogo, talentosíssimo, sensível escritor e poeta. Uma honra poder entrevistá-lo, salientando que Alfredo é hoje, sem dúvida alguma, uma forte expressão na literatura baiana e brasileira.
Elayne Aguiar – Apesar de sabermos que um militar deve prezar, acima de tudo, pelo bem da nação, nesse caso o senhor procura entender os motivos das greves e de todo o contexto atual da polícia militar brasileira. Acredito que seja justamente por ser militar e conhecer bem o sistema, que por sinal, parece-me falido. Li também que o senhor acredita que a poesia possa sair do caos... Mediante esta afirmação e levando em consideração que o senhor é também um psicólogo, além de militar, podendo analisar a situação por dois prismas diferentes, neste caso o senhor seria capaz de banir esses dois lados, munir-se de inspiração e escrever de forma linda e forte sobre o caos urbano devido à falta de policiais na cidade? Ou acha que neste caso, o militarismo deve falar mais alto que a poesia?
Alfredo de Morais – Olha tenho um posicionamento bem menos ortodoxo do que os pensamentos sobre policiamento e militarismo. Primeiro porque a polícia já deveria estar unificada e desmilitarizada, depois porque não é o número de policiais que vai mudar o estado das coisas, mas sim a educação precária nesse país e principalmente aqui na Bahia. Quando se fala sobre poesia, se fala do todo. Existe poesia no militarismo, como existe na política, na flor, no amor e em todas as preposições e estados de espírito que o poeta esteja, pois esse é uma antena do universo. Nascer em poesia é escadalizar-se todos os dias com o óbvio e se revoltar com o esdrúxulo, é simplesmente estar disposto a escutar a voz das estrelas e com elas vomitar.
Elayne Aguiar – O senhor escolheu essa profissão, mas também é um poeta. Sabemos que muitos poetas exerceram outras funções também e dentro dessas funções existem códigos de ética e conduta. Ser um poeta militar realmente deve ser um tanto quanto “antiético” aos olhos dos “maiorais” ou até mais, coisa de “efeminado”, se escreve sobre amor... Ou revolucionário e anarquista, se for sobre o sistema. Comenta.
Alfredo de Morais
 – Não sei se ser poeta está na profissão... Acho que ser poeta é ter a mente aberta ao mundo. Na PM tem concursos internos sobre poesia e atividades literárias, acho que falta divulgação. Estamos em um estado democrático de direito, e nem o mais alto escalão poderia calar a voz do espírito intrépido de um poeta. Enquanto ao preconceito, esse vai existir em qualquer profissão, se disser no hospital que trabalho que faço poesia, tenha a certeza, que os ditos machistas vão dizer que é coisa de gay, e eu responderei que é coisa de todos, coisa de quem respira a vida.
Elayne Aguiar – “Estive em Cuba em 2007, para defender um artigo no ULAPSI (União Latino Americana de Psicologia), e fiquei estupefato com Havana, local ao mesmo tempo lindo e triste. Vi a cidade com os olhos de um preocupado psicólogo com a população dolorida e com os olhos de quem assistiu o documentário sobre os músicos da Buena Vista Social Club, pelo qual ganhou o Oscar de “Melhor Documentário”. “...Não consegui ver Cuba como Fernando de Morais. Mesmo porque não conversei com Fidel, nem fui aos palácios do governo, nem andei em carros (novos) governamentais, não fui aos banquetes”. Texto interessante... E mais um paradoxo inevitável: “Vi a cidade com os olhos de um psicólogo”. Esta sua “visão de psicólogo” é algo involuntário, parte da sua própria psique, já que foi a trabalho e falando de psicologia ou é intencional mesmo?
Alfredo de Morais – Necessitei estar no papel do psicólogo lá em Cuba, pois fui como psicólogo. Porém, pude, junto com isso, olha-la com poesia, pois Havana é o Pelourinho do outro lado, pois lá se tem a mesma alegria baiana, a mesma sonoridade de cadeiras das mulheres passeando pelas ruas desertas daquele país. Pude ver o sofrimento pelo atraso no progresso, e a sede que o povo daquela terra tem de mudanças.
Elayne Aguiar – O senhor foi a Cuba e não quis vê-la da forma como Fernando de Moraes e Fidel a veem e como muitos a enxergam?
Alfredo de Morais – Não dá para enxergar Cuba com os olhos biológicos, tem que ser com a alma, alma latina e caliente, alma que arde de revolta por ver um contrasenso do que é a liberdade. Cuba é uma grande mentira contada por um homem sem escrúpulos. Claro que as intenções na época pareciam ser boas, porém o povo se tornou refém de um ditador, que jogou seu País na obscuridade. Vi a alegria da noite, da salsa, da marguerita. Mas, também entrei nas casas de cortinas rotas, de senhoras cansadas e jovens sem sonhos. Uma terra com sabor chocolate, mas com a luz de fifós.

Elayne Aguiar – Sobre o 11 de setembro: “Saí louco correndo, chamando os colegas, que nesse momento estavam tomando café. - Meu Deus... Acho que é a terceira guerra mundial!... Choramos juntos, nos desesperamos juntos. Estávamos também ali, pois não conseguíamos compreender o acontecido, e aguardávamos a nossa vez de correr também... Pois talvez fosse o sinal dos tempos”. Achei interessante esse texto porque o senhor em primeiro momento pensa logo numa 3ª Guerra Mundial (o militar pensando) e um pouco depois fala em final dos tempos. Faz uma alusão bíblica: “Era a pedra de Davi em Golias, era a revanche covarde contra uma nação”. O senhor tem uma religião? Concorda que a religião, neste caso em questão, e como disse Karl Marx, é o ópio do povo?
Alfredo de Morais – Tenho uma religião sim, sou espírita, porém qualquer religião pode ser letal se essa for o crivo utilizado para o benefício do seu acreditar. Sempre digo que mudaram o gênesis, onde é dito “façamos o homem a nossa imagem e semelhança”, o homem fez Deus a sua imagem e semelhança, com todos os adjetivos perversos que a natureza humana tem. No caso da religião e de qualquer comportamento, o risco é o excesso, o risco está no entendimento da força universal. Por isso a afirmação de Marx, a religião mal direcionada é como uma droga alucinógena.

Elayne Aguiar – Em sua concepção, de que realmente é movido o povo terrorista?
Alfredo de Morais – Ele é movido por uma convicção erronia de uma dádiva humana. O terrorista acredita que chegará no paraíso se renegar a si mesmo pela causa. Todo extremista é um terror, veja o exemplo da psicóloga que diz curar homossexuais, ou o caso de pastores que prometem prosperidade pela religião, são terroristas, mas terroristas da alma. Não precisam derrubar prédios, eles derrubam sonhos.
Elayne Aguiar – O que alimenta essas mentes doentes ao ponto de não só destruírem impérios e vidas, mas as suas próprias?


Alfredo de Morais – Essa convicção no ganho pós mortem, faz com que eles visualizem o ganho eterno e não efêmero da nossa existência. É um acreditar com tanta convicção que eles não tem medo de nada, nem mesmo da morte.

Elayne Aguiar – O senhor neste mesmo trecho traçou paralelos entre "O que as torres têm nos ensinado" e nosso "egoísmo "solidário". O senhor estava se referindo a nós mesmos, individualmente, ou às organizações que visam proteger e amparar as nações, mas que na verdade isso só funciona por motivos políticos?
Alfredo de Morais – Falo de nós mesmos. Veja só o caso dos professores na Bahia. Clamamos por melhor educação. Falo de um povo que aguenta os desmandos de um governador, sem ao menos, fazer uma paralização geral em prol de uma melhora na sua própria vida. Falo da animosidade, da imbecilidade e falácia de quem apenas vê o mundo passar, mas que não se mobiliza para fazer o mundo girar. Nós somos os motivos políticos, porém esquecemos disto.
Elayne Aguiar – Falta ainda muito senso humanitário no mundo?
Alfredo de Morais – Não falta senso humanitário no mundo, falta ação humanitária, falta sairmos de nossa condição de espectadores e agirmos como humanos. Falta o homem reaprender a humanidade.



Elayne Aguiar – Puxando o gancho e falando agora de amor: "O amor? Enfim... Hoje sou apenas eu, um ser que é feliz porque existe. E grato por ter tantos amigos e inimigos invejosos (risos). Mas os amigos superam tudo". Amizade, amor, felicidade, são temas constantes na poesia que nos alimenta. E a poesia hoje no Brasil, vive de quê? Ou melhor, como vivem os poetas e escritores que “sobrevivem” de letras?


Alfredo de Morais – Esquálidos e desnutridos. Temos na verdade, como diria Jabor, os poetas que nunca escreveram livros, pois falta união, e hoje temos apenas uma sombra dos poetas de outrora. Poetas que não viam a poesia como meio e só são poetas por serem poetas. Não eram os poetas loucos? Eram apenas sonhadores. Acho que os escritores pararam de sonhar, e passaram a viver a triste realidade.

Elayne Aguiar – O senhor parece ser sensível e demonstra habilidade para com os pacientes. E pelo que percebi, o bom humor também é uma marca sua. O que realmente te dá prazer de uma forma extremamente abrangente em todos os sentidos, incluindo o financeiro? A psicologia ou a poesia?
Alfredo de Morais – Incluo a poesia na psicologia, o humor na psicologia, a sensibilidade na psicologia. A psicologia é minha forma de arte. No hospital, por exemplo, eu toco violão para meus pacientes acamados, eu leio para eles, eu pinto para eles. Isso me dá muita alegria. Eles riem comigo, eles choram comigo.

Claro que vivo da psicologia hoje, mas a poesia é minha vida, ela pulsa em mim e me diz em sussurro... Olha, você está vivo.

Elayne Aguiar – O senhor escreveu em seu texto de Portugal um pouquinho sobre o ensino de lá e fez comparações com o nosso: "Com isso não desqualifico o ensino, mas exalto o brasileiro, nós somos bons no que fazemos". Eu até entendi o que quis dizer, mas então gostaria de compreender se o nosso potencial é bom em ensinar, por que é péssimo em instruir em Cultura?
Alfredo de Morais – Nós somos um povo único, tem arte para todo canto e canto para toda arte. O grande problema é o incentivo. Na Europa o artista tem outro respeito, outra vertente. O artista não é o Global, é o que faz acontecer a cultura do país. Acho que faltam nos artistas mais coragem para clamar por essa cultura e seu incentivo. Falta neste país a valorização pelo que é bom, e não pelo instantâneo. Nós somos a cultura que nós almejamos ter. A pergunta é... o que estamos realmente almejando?

Elayne Aguiar – Acha que realmente estamos em um processo de transição, com tantos projetos, ONGs, apoio à leitura e a jovens poetas e escritores e toda essa gama de incentivo, além da internet, que viabiliza também o acesso a novos formatos, como blogs, sites de primeiríssimas qualidades... Ou o senhor acha que tudo não passa de marketing e que a verdadeira diferença se dá se houver um investimento de capital ou leis por parte dos governantes que assegurem este direito a todos, o do acesso à cultura, acesso à informação, ensino de qualidade, etc?
Alfredo de Morais – Volto a dizer que o governo somos nós, os governantes são temporários... nós continuamos. Há que se exigir uma outra postura dos artistas. Lembra da Revolução Cultural de 22? Onde estão as Tarsilas, os Oswaldes? Acho que somos o que pretendemos ser.
Elayne Aguiar – Dentro do nosso contexto social, o livro ainda é caro, assim como o CD, a entrada do cinema e do teatro. Ao mesmo tempo quando isso é acessível, percebemos que não faz parte da "cultura" do povo brasileiro ter acesso à cultura. As pessoas simplesmente "preferem" baixar um filme, comprar um DVD pirata e as crianças não leem mais como antes nas escolas devido o advento da internet e suas facilidades. Por que isso ainda em pleno século XXI? Isso é um problema mundial ou de ordem brasileira?
Alfredo de Morais – Nós ainda estamos pela égide da Lei de Gerson (levar vantagem em tudo). Mas estamos aprendendo, acho que somos adolescentes, ainda rebeldes, ainda sem saber para onde ir. Mas estamos crescendo em atitude, em mudanças. Nós seremos a grande nação, mas o povo tem que ir junto. Acho que nosso problema não é cultural, é de atitude.
Elayne Aguiar – Antigamente nós, brasileiros, jogávamos demasiadamente lixo nas ruas e pelas janelas dos carros, assim como achávamos bonito fumar e talvez não tivéssemos reais dimensões do quão negativos e prejudiciais eram estes hábitos. Houve uma educação em massa, veto às propagandas, divulgação, isso ao longo de vinte anos ou mais. O senhor acredita que governo e educação caminham juntos? Quando eles querem eles fazem?


Alfredo de Morais – O governo somos nós, temos que lembrar disto. Nós colocamos e nós tiramos. Governo não é concurso publico, o governo é o espelho do votante.

Tenho certeza que nosso país será realmente grande, quando a educação for valorizada, da base às universidade. Tivemos uma mudança grande de 20 anos, porém ao pobre é negado o direito a uma educação publica de melhor qualidade, e isso para o progresso de uma nação é horrível. Em países de primeiro mundo, as crianças falam mais de uma língua. Aqui não se fala corretamente nem a língua mater. Esse aspecto é que tem que mudar. A educação arrastará todo o resto junto com ela.
Elayne Aguiar – O tema sustentabilidade está  tomando força, embora ainda não tenhamos estrutura e educação necessárias para expandi-lo, tratá-lo e principalmente, vivê-lo como deve ser feito. As Olimpíadas e a Copa do Mundo são assuntos diários. O senhor acha que esses eventos contribuem de alguma forma para a educação e cultura do nosso país?
Alfredo de Morais – Não ensinam nada, apenas traz a atenção do mundo para o país que vivemos. Não acho que estamos preparados para a Copa ou para as Olimpíadas. Porém a África também não estava, e lá foi feita. Nenhuma mudança radical aconteceu nesse país depois da Copa. Todo o esforço deveria ser para consolidar as bases estruturais de nossa nação: educação, cultura e saúde. Temos um longo caminho pela frente. A Copa ou Olimpíadas é tão somente pão e circo.
Elayne Aguiar – Deixando de lado as verdades que sabemos, acha que acreditar que de certa forma isto pode nos ser útil é ser muito otimista e romântico?


Alfredo de Morais – Acho que é o mesmo que ter uma gravura (cópia) de um artista famoso na parede de sua casa. Tá bonito, mas sem alma.

Elayne Aguiar – E falando em romantismo, o que mais te motiva a escrever, quais as pessoas que te inspiram e desde quando começou a exteriorizar seus pensares? Qual foi o “start” da sua carreira de escritor e poeta?


Alfredo de Morais – Só não escrevi ao nascer por não ter uma caneta à disposição, pois creio que até minhas garatujas teriam uma poesia (risos). Tudo me inspira, tudo é um motivo para escrever. Mas o que me chamou a atenção para a universalidade das letras, foi um professor meu, Valverde. Ele dizia que escrever tem que ter fôlego, ritmo e alma. Essa afirmação para mim fez toda a diferença. Meus ídolos sempre foram Carlos Drummond e meu mentor espiritual Mário Quintana. Porém, o incentivo a tornar tudo público é do meu admirável e inestimável Elenilson Nascimento.

Elayne Aguiar – Como foi participar de um projeto como os “Poemas de Mil Compassos”?
Alfredo de Morais – Um sonho colorido, uma orquestra com um único maestro.

Elayne Aguiar – O senhor tem algum ídolo da literatura brasileira? Quando o senhor escreve, consegue perceber suas influências? Conte-me sobre isso.
Alfredo de Morais – Mário Quintana é meu ideal, leio e releio as obras dele. Acho que seu jeito de escrever é um acerto com a vida. Ele não escreve tão somente, ele faz amor com as letras, ele escreve como fala. Gostaria de um dia poder conversar cara a cara com ele em outro plano espiritual.

Elayne Aguiar – Sabemos que a poesia é universal, mas temos que reconhecer que cada um tem seu estilo e seu público alvo. O senhor escreve para quem e chama atenção de quem? Sente-se realizado como poeta?
Alfredo de Morais – Escrevo para a vida. Carlinhos Brown fez uma música antiga que dizia: “Eu canto pra lua, porque amo a lua...” (lindo isso). Não entendi logo o que ele queria dizer. Hoje eu entendo. Eu escrevo porque é lindo, eu escrevo porque sem isso eu teria dores. Escrevo para sentir meu sangue correndo nas veias do planeta. Se escrevo para a vida, sinto a realização de poder ter o direito de me expressar.

2 comentários:

  1. SERGIO NEVES - Maravilhoso trabalho! / Os teus questionamentos foram mais profundos e pertinentes do que os argumentos das respostas! / Verdadeiramente parabéns! / (...me surpreendes cada vez mais! -se é que ainda isto é possível. / Tua sensibilidade, cultura e inteligência me "assustam", chegando até a inibir meu querer de ainda ter a pretensão de escrever qualquer coisa). / Grande carinho de admiração Elayne.

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  2. Exagerado..Jogado aos seus pés, eu sou mesmo exagerado..♪♫ \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\po, Sérgio, vc me abandonou, mudou de assunto e se saiu bem..To esperando a resposta sobre aquela pergunta até hj...rsrsr Bjos

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